sábado, 7 de setembro de 2013

Overdose


Quando cheguei, a porta estava apenas encostada. Havia ligado, mas não atendera nenhuma das 15 ligações. A casa estava silenciosa, logo ao entrar, encontrei com o colega com quem dividia o aluguel. Saia para o trabalho. Perguntei por ele. Disse não saber, há dois dias não o via. Olhei para a porta do quarto dele, estava fechada. Jamais a vira fechada e notei, pela primeira vez, que a tinha azul descascava um pouco no canto. Será que não está dormindo, perguntei. O colega deu de ombros, e comentou que estava atrasado para o serviço. Já era quase meio dia. Eu também estava atrasado para o serviço. Abri então a porta azul do quarto dele, que nunca estivera fechada. Ele está aqui! Exclamei, aliviado. Chamei pelo seu nome, várias vezes, não queria acordar. Sentei ao lado dele na cama e toquei no seu ombro. Estava mais desmaiado que dormindo. Perguntei ao colega que dividia o aluguel se sabia dizer há quanto tempo ele dormia. Não sei, não o vejo há uns dois dias, eu acho, disse novamente. Estou atrasado para o serviço, tenho que ir. Se ele ainda estiver dormindo quando você sair, tranque a casa e deixe a chave na caixinha do correio. OK, respondi.

                O corpo dele estava mole, pesado. Chamei pelo seu nome mais algumas vezes, e nada. Levantei-me da cama e comecei a caminhar pela casa a procura de respostas.  Fui direto para a cozinha apertada. Olhei sobre a mesa, e tudo parecia normal. Apenas o pequeno pé-de-pimenta no centro da mesa não parecia ter sido regado há muito tempo. Abri a geladeira, servi-me de um copo de água. Bebi vagarosamente, tentando ficar calmo. Ao devolver o copo à bandeja que ficava sobre a geladeira, encontrei uma caixa de remédios. Sabia que ele estava tomando aquilo para o seu problema de calvície precoce. Mas a caixa estava vazia, exceto pelo papel de contraindicações dobrado infinitas vezes. Uma ideia começava a tomar forma na minha mente. Entrei no banheiro logo ao lado da cozinha e lancei um olhar para a lixeira. Apenas papel sujo. Será que o colega poderia ter trocado o lixo nos dois últimos dias? Duvidei. No quarto dele, encontrei outra lixeira. Dentro dela havia um papel dobrado, não amassado. Peguei e abri. Era uma carta.

                Uma triste carta de despedida. Não consegui lê-la palavra por palavra. Apenas passei os olhos e notei que cada parágrafo citava um nome diferente de alguém. O nome de uma falsa prima, o nome do ex-namorado, do melhor amigo (fiquei feliz por encontrar meu nome na carta) e por fim, o nome de sua mãe.  Li o que ele escreveu para mim. Agradecia pelos anos de amizade e pedia desculpas por não ter sido melhor, também declarava seu amor eterno por mim. Senti que ia chorar.

                Deixei a carta de lado. Olhei novamente para a lixeira e lá estava o que eu procurava. Duas cartelas de comprimidos completamente vazias. Peguei uma das cartelas e enfiei no bolso. Pulei sobre a cama e virei meu amigo de frente. Tentei abrir-lhe o olho, estava opaco e voltado para cima. Aproximei o ouvido da sua boca e constatei que ainda respirava. Sacudi-o violentamente. Gritei seu nome. Acordou. Mole. Pesado. Fiz com que se levantasse e arrastei-o para o banheiro. Joguei água no seu rosto, e ele não se manifestou contra. Apenas deixava que eu o movesse como se fosse uma marionete sem vida. Tentei falar com ele, mas parecia estar sonhando.  Consegue andar, perguntei. Ele pareceu responder-me afirmativamente. Apoie-se no meu ombro, vou te levar par ao carro.


                Carreguei-o para fora e o deitei no banco traseiro. A rua estava deserta. Voltei para trancar as portas, mas não deixei a chave na caixinha dos correios. Tente não vomitar aí dentro, OK! Brinquei com ele. Ele ensaiou um sorriso amarelo e eu dirigi o mais rápido que pude para o hospital. 

(Baseado em uma história real)
Pedro Paiva

Um comentário:

  1. “IX CONCURSO PLÍNIO MOTTA DE POESIAS”

    A Academia Machadense de Letras (Machado-MG / Brasil) comunica a realização em novembro de 2013 de seu IX Concurso de Poesias. As inscrições encerram-se no dia 14 de outubro (2013). Para receber gratuitamente o regulamento em arquivo PDF, entre outras informações, favor entrar em contato através do e-mail: machadocultural@gmail.com

    Obs (PS): O tema é livre e aberto a todos de Língua Portuguesa e Espanhola e a taxa de inscrição é de R$5,00

    Favor verificar o recebimento do regulamento em pdf e jpeg.

    ResponderExcluir